Um breve relato de uma das maiores agressões ao meio ambiente e aos cidadãos brasileiros. Guardadas as distinções e proporções de cada caso, é possível dizer que o caso Shell-Basf é a versão brasileira do “caso Union Carbide”, em Bhopal.
Para entender o caso: Na primeira semana de fevereiro de 2001, a Shell admitiu publicamente a responsabilidade pela contaminação das chácaras vizinhas à área onde funcionou sua fábrica de agrotóxicos em Paulínia, São Paulo. Os agrotóxicos organoclorados Endrin, Dieldrin e Aldrin foram encontrados no lençol freático sob as chácaras localizadas entre a fábrica e o Rio Atibaia, um dos principais afluentes do rio Piracicaba e que abastece de água, entre outras, as cidades de Americana e Sumaré. A contaminação causada pela Shell em Paulínia é tóxica, persistente e bioacumulativa, podendo causar sérios danos ao meio ambiente e à saúde humana (cf. relatório Greenpeace)
De acordo com os ex-trabalhadores da indústria, a empresa alegava utilizar como forma de controle de poluição o regime PPB (partícula por bilhão). No entanto, o regime vigente era o PPM (partícula por milhão), o que ampliava sobremaneira a insalubridade e os riscos a que se sujeitavam os empregados.
Outros abusos foram fartamente descritos ao longo do processo.
Do acordo: A ação ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho finalmente atingiu o acordo, a ser homologado pelo TST (ARR – 22200-28.2007.5.15.0126) . De acordo com o site Migalhas os seguintes pontos foram incluídos na avença:
“Por danos morais coletivos, as empresa pagarão indenização de R$ 200 mi, dos quais R$ 50 mi serão destinados à construção de um hospital maternidade que, após sua conclusão, será doado com todos os equipamentos ao município de Paulínia. Os R$ 150 mi restantes serão divididos em cinco parcelas iguais anuais de R$ 30 mi. O valor será dividido igualmente entre o Crest – Centro de Referencia à Saude do Trabalhador em Campinas/SP (R$ 75 mi) e a Fundacentro – Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (R$ 75 mi). Por danos morais e materiais individuais foi fixado um valor referente a setenta por cento do valor estabelecido em sentença, acrescidos de juros e correção monetária desde a data publicação da sentença Ficou estabelecida, também, a prestação universal e prévia à saúde dos 1.068 trabalhadores reconhecidos hoje e habilitados pela decisão do juízo da 2ª vara do Trabalho de Paulínia em antecipação de tutela. Foi acordado ainda que as vítimas que mantém ações individuais em que pleiteiam assistência médica em razão da contaminação ambiental poderão habilitar-se nos termos do acordo até trinta dias da homologação do acordo”.
Para saber mais: O Greenpeace, à época dos fatos, elaborou um notável relatório ambiental sobre os impactos da malsinada atuação das empresas na região de Paulínia. Para ter acesso ao documento, clique aqui.
Opinião: Trata-se de um acordo histórico, em especial pela matéria envolvida. Em tempos de jusfundamentalidade, em que Estado Democrático e direitos fundamentais coexistem de maneira indissociável, o acordo no caso Shell-Basf funciona como intenso processo pedagógico na mitigação de gestões empresariais irresponsáveis e dos crimes corporativos. Crimes que, por sinal, também permeiam a atuação da indústria farmacêutica, conforme já destacamos no post “Resposta ao Editorial do British Medical Journal (BMJ): “Is there a cure for corporate crime in the drug industry?”
As reprimendas penais e administrativas e as recomposições cíveis devem ser buscadas a todo custo, pela sociedade organizada e pelas funções essenciais à justiça (AGU, inclusive). O temor da sanção ainda é força motriz no direito, que direta ou indiretamente, protege o cidadão dos abusos corporativos e garante a devida proteção aos direitos e garantias fundamentais insculpidos na Constituição.
Merece de elogios a atuação do Ministro Oreste Dalazen na mediação do acordo. E meus parabéns aos meus amigos do Alino&Roberto e Advogados pela incansável atuação em favor dos interesses dos trabalhadores.