A escoliose da Advocacia-Geral da União

Após a deflagração da “Operação Porto Seguro”, a AGU ficou sob a luz dos holofotes midiáticos. Fala-se em “pente fino”, novas regras de transparência, critérios para nomeação de cargos em comissão, dentre outras medidas que visam reduzir os riscos de corrupção entre os integrantes da instituição.

Tais ajustes de percurso não mudarão muita coisa na estrutura interna ou na atuação do órgão. A AGU possui uma estrutura institucional equivocada, que se desviou de seu papel constitucional. De nada adianta “atos moralizadores” se a espinha dorsal em torno da qual se construiu a Advocacia-Geral da União é escoliótica.

Explico. A AGU foi inserida no capítulo das funções essenciais à justiça da Constituição Federal, em seu artigo 131, que assim dispõe:

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

§ 1º – A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

§ 2º – O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

§ 3º – Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.

Conforme se nota, a AGU integra as funções essenciais à justiça, assessorando a Poder Executivo e representando, judicial e extrajudicialmente, todos os Poderes da União. Para os menos atentos, significa dizer que a AGU representa o Poder Executivo em sua integralidade, o Poder Legislativo (Senado e Câmara dos Deputados, inclusive o Tribunal de Contas da União), o Poder Judiciário (Justiça Federal, Justiça do DF, Justiça do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores – inclusive o STF – e o CNJ) e o Ministério Público da União (MPDFT, MPF, MPT, MPM e CNMP).

Daí a obviedade etimológica: advocacia-GERAL DA UNIÃO. A AGU não integra (ou não deveria integrar) o Poder Executivo porque, a um, é função essencial à justiça e porque, a dois, a União é formada por três poderes.

A regulamentação da instituição, no entanto, se fez pela Lei Complementar 73, de 1993. O legislador errou feio (mas feio mesmo) e inseriu a AGU sob as asas naturalmente políticas do Poder Executivo. Não que a política seja um desvio na práxis desse Poder; ao contrário, é ínsita a ele. No entanto, a política é danosa à AGU. E começou a corroê-la, como um câncer, desde então.

Indicações políticas, conversas de bastidores, ameaças, pressões, tudo que é típico da política passou a perpassar uma instituição que deveria ser técnica e defender o interesse da UNIÃO e não de governos.

O resultado é preocupante. Uma função essencial à justiça, indispensável à defesa do Estado brasileiro e que deveria ser essencialmente técnica, submetida a um Poder que é essencialmente político.

Será que ninguém é capaz de enxergar?

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